Archive for the ‘Bittencourt Sampaio’ Category

Especial “Além da vida”: Espírito libertário – parte 3

18/02/2015

Kardec e a escravidão
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Em O livro dos espíritos, Allan Kardec foi bem claro ao tratar do assunto. Ao serem questionados, os espíritos responderam: “É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso de força. Desaparecerão com o progresso, como gradativamente desaparecerá todos os abusos”. Desse modo, o direito à liberdade seria um princípio fundamental da doutrina espírita por ser uma lei divina, logo toda forma de escravidão seria condenável. No entanto, que interpretação os espíritas fizeram desse ensinamento? As páginas da imprensa espírita trazem as respostas para essa questão.

No final do século XIX, a imprensa consolidara-se como um importante veículo difusor de ideias. Havia mais jornais em circulação e crescia o público leitor. Os espíritas estavam atentos a essas mudanças e, desde cedo, elegeram os periódicos como um canal de propaganda espírita. Na década de 1880, circulavam na corte dois importantes periódicos espíritas: a Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade e O Reformador. A imprensa espírita tinha como principal objetivo a divulgação dos princípios da doutrina e a refutação dos ataques dos detratores. No entanto, não se omitia em relação às questões em debate no cenário nacional e não foi diferente quanto à escravidão e sua abolição.

Desde o início, a imprensa espírita assumiu uma postura contrária à escravidão, mas nem sempre defendeu a abolição. Em artigo publicado em julho de 1882, na Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, a redação do periódico manifestava-se a favor da emancipação dos escravos, mas afirmava que “a abolição é prejudicial ao escravo e perniciosa à sociedade”. No entanto, ao longo da década de 1880, com o avanço da campanha abolicionista, houve uma mudança de posicionamento. Os espíritas foram abandonando o tom mais moderado e passaram a defender o fim imediato da escravidão.

Para os espíritas da corte, a extinção do cativeiro era uma entre outras reformas fundamentais para o progresso do país, tais como: o estabelecimento de um Estado laico (uma forma de limitar o ainda marcante poder da Igreja), a liberdade de consciência, a garantia do acesso à terra e o estímulo à vinda de imigrantes. Desse modo, além de dialogarem com os abolicionistas, os espíritas também estavam integrados ao debate político da época, adotando posicionamentos que os aproximavam de certos agrupamentos políticos como os “novos liberais”, os “liberais republicanos” e os “positivistas abolicionistas”.

Nas páginas da imprensa, os espíritas defenderam o fim da escravidão por via legal, sem estimular agitações ou revoltas. Seu discurso sempre esteve voltado para os senhores de escravos, os legisladores e o governo imperial. Em 15 de novembro de 1884, um artigo publicado no Reformador, assinado com o pseudônimo de Sedora, cobrava da classe política uma atitude para livrar o país dessa doença: “Façam os estadistas como os cirurgiões, extirpem o cancro que vicia e corrói o organismo social, acabem com a escravidão”. Noutras ocasiões, o recurso era apelar ao sentimento cristão da população, em especial dos senhores, para estimulá-los a conceder alforria aos seus cativos.

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Especial “Além da vida”: Espírito libertário – parte 2

11/02/2015

Libertar e educar os escravos

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Movido por esse ideal e com intuito de propor soluções para o problema, o engenheiro Antônio da Silva Neto publicou três trabalhos: Estudos sobre a emancipação dos escravos no Brasil (1866), Segundos estudos sobre a emancipação dos escravos no Brasil (1867) e A Coroa e a emancipação do elemento servil (1869). Neles, defendia a libertação dos filhos das escravas, a adoção de medidas para educá-los e a extinção da escravidão no prazo de 20 anos.

Bezerra de Menezes, médico e político reconhecido na corte, tomou iniciativa semelhante e, em 1868, publicou o opúsculo A escravidão no Brasil e as medidas que convém tomar para extingui-la sem dano para a nação, no qual também defendia a libertação dos filhos de ventre escravo.

A proposta apresentada por ambos não era uma novidade, nem eles eram os únicos a defendê-la. Na verdade, ela estava presente nos jornais e nos folhetos que circulavam pelas ruas da corte. Além disso, tal medida encontrava-se em discussão no Parlamento, mas só seria aprovada em 1871, por meio da Lei do Ventre Livre.

Esse debate público sobre a escravidão se acirrou nos anos seguintes e fervilhou na década de 1880, quando já se defendia abertamente a necessidade urgente de abolição do trabalho escravo. Nesse contexto, a imprensa tornou-se uma verdadeira tribuna política. José do Patrocínio (1853-1905) é um caso exemplar de como os abolicionistas utilizaram os jornais para formar uma opinião pública favorável ao fim da escravidão. Atuando à frente de alguns periódicos, como Gazeta de Notícias, Gazeta da Tarde e Cidade do Rio, ele disparava constantes ataques contra o escravismo.

Nesse momento, Antônio da Silva Neto, Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio e Ewerton Quadros estavam em plena militância espírita, ocupando papel de destaque em instituições espíritas da corte e contribuíam ativamente nos periódicos espíritas em circulação. As experiências adquiridas por esses homens em suas trajetórias intelectual, profissional e política exerceram forte influência na condução dada por eles ao trabalho de difusão do espiritismo no Brasil. Com suas convicções e em diálogo com os princípios espíritas, eles contribuíram para que as instituições espíritas se posicionassem diante do debate sobre a escravidão.